quarta-feira, 20 de julho de 2011

D. Filipa de Lencastre – II


Decidida a impor uma certa moralidade numa Corte um tanto licenciosa, que desde o falecimento de D. Fernando, não tinha tido uma rainha ou princesa a nortear-lhe os costumes, D. Filipa, além de acabar com a maior parte das festas, organizou trabalhos de caridade social e aulas de leitura para as suas damas, que eram na sua maioria, iletradas.
Muito sabedora de religião (discutia os mais pequenos pormenores com os padres), fixou o horário da missa para as 7h. da manhã e orações quase de hora a hora.
Nas refeições, por sua ordem, os alimentos passaram a ser trinchados em bocados mais pequenos para que pudessem ser agarrados delicadamente com os dedos, uma vez que ainda não havia garfos, e as pessoas começaram, obrigatoriamente a lavar as mãos, antes e depois de comer. Embora tivesse um excelente cozinheiro, D. Filipa era muito frugal na comida e segundo nos conta Gomes Eanes de Zurara (1410-1474), autor da Crónica del Rei d. João de Boa Memória, ''seu comer não era por deleite, somente para suster a vida''.
Resolveu também, de acordo com o rei, que em nada a contrariava, organizar o casamento entre as damas solteiras da sua Casa e os nobres que ela achasse convenientes, sem se importar em ouvir a opinião dos interessados, que só sabiam com quem iriam casar apenas à porta da Igreja, depois de receberem uma “ carta – ordem “ designando-lhes o dia e a hora do casamento. Como refere D. Duarte no “Leal Conselheiro”: “Passaram mais de cem mulheres que El-Rei e a Rainha, meus Senhores Padre e Madre, cujas almas Deus Haja, e nós casámos de nossas casas…”.
As rainhas de Portugal contaram, desde muito cedo, com os rendimentos de bens, adquiridos na sua grande maioria por doação. D. Filipa de Lencastre recebeu as rendas da alfândega de Lisboa, bem como as vilas de Alenquer, Sintra, Óbidos, Alvaiázere, Torres Novas e Torres Vedras.
Excelente educadora transmitiu aos filhos a sua educação inglesa, cheia de preceitos morais e educativos, mas acima de tudo, o respeito e obediência ao Rei. Existiam para o “servir”, “assistir” e “obedecer” em tudo ao que ao Rei aprouvesse.
Foi declaradamente a favor da expedição a Ceuta, não só pela glória que seria os seus filhos serem armados cavaleiros a combater os infiéis, que ela não tolerava, mas também pela consequente posse de terras e alargamento da fé cristã.
A partir daí, D. Filipa, torna-se ainda mais devota, jejuando, fazendo orações e vigílias, pelo bom sucesso desta empresa, e encomenda 3 espadas a João Vasques de Almada, uma vez que, para Ceuta iriam apenas os 3 filhos mais velhos, dado os outros filhos varões não terem ainda idade para este empreendimento.
Quando todos os preparativos para a expedição estavam prontos, a rainha adoeceu com a peste negra que então grassava no país. Retirou-se para Odivelas, não deixando que adiassem a partida para Ceuta.
Sabendo que a morte estava próxima, chamou os filhos, e na presença do rei, armou-os cavaleiros, com as espadas que tinha encomendado.
Primeiro, fê-los Cavaleiros de Cristo. “ E então mandou trazer uma Cruz, daquele verdadeiro pau, em que Nosso Senhor Jesus Cristo padeceu, e partiu em quatro partes, segundo os quatros braços que estão na Cruz. E deu a cada um dos Infantes seu braço, e o quarto guardou para el-Rei, seu senhor.” Idem, pag.151.
Tomou depois as espadas, entregando-as a cada um dos filhos, com a sua bênção, encomendando a D. Duarte a defesa dos povos, e encarregando-o dos irmãos mais novos, assim como da sua ama e da filha desta.
Ao Infante D. Pedro, encarregou-o da defesa das damas e donzelas, e a D. Henrique a defesa da nobreza.
Os infantes mais novos, tinham sido levados para Sintra, mas a infanta D. Isabel, já com 19 anos de idade, permanecia em Odivelas com a mãe. Não houve, no entanto, para esta filha uma única palavra de despedida ou alguma lembrança, por parte da rainha, o que não abona muito em seu favor.
Gomes Eanes de Zurara conta, na sua Crónica da Tomada de Ceuta: “E depois que ela assim repartiu suas encomendas, chegou-se a ela Biatriz Gonçalves de Moura, e disse-lhe:”Senhora, parece-me que todos os do reino a vosso filho o Infante haveis encomendado, e não tiveste nembrança da Infanta vossa filha, que é mulher e em tal idade como sabeis, à qual é mais necessário ser encomendada a ele, que outra nenhuma pessoa”. O Infante D. Pedro que hi estava, dissa à Rainha: “Senhora, se vossa mercê fosse, a mim parece que seria bem chamarem el-Rei e lhe pedirdes que as terras que vós tendes, que seja sua mercê de as dar à Infanta vossa filha, para seu suportamento, enquanto hi outra rainha não há.”pp. 157.

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