sexta-feira, 11 de maio de 2012

Uma Missiva do Rei…- II

O Rei-Sol Marroquino

Moulay Ismaïl Ibn Sharif (1645? – 22 March 1727) reinou de 1672 a 1727, em Marrocos, sucedendo no trono ao seu meio-irmão Moulay Al-Rashid, morto acidentalmente de uma queda de cavalo. Segundo soberano da nova dinastia alauita que tinha chegado ao poder em 1659, após a conquista de Marraquexe, é considerado como uma das principais figuras históricas daquele país. Cognominado de “Rei Guerreiro”, foi também apelidado de “O Sanguinário”, devido à sua famosa crueldade. Ao herdar um trono enfraquecido não só pelas revoltas internas como também pelas lutas dinásticas, o soberano tratou da unificação do reino, embora não tivesse o apoio das tribos da região, tanto berberes como beduínas. Formou, para isso, um exército constituído por escravos negros originários do Senegal, do Mali e da Guiné (os chamados Abid al-Bukhari), a famosa Guarda Negra, que chegou a possuir 150.000 homens, introduzindo o emprego de armas e técnicas militares europeias.
E foi com este exército que entre 1679 e 1696, Moulay Ismail combateu não só os Turcos Otomanos, que venceu, como retomou aos Espanhóis e Ingleses, as possessões de Al-Mamurah (La Mamora), Tanger e Larache, consolidando a sua posição no trono marroquino. Não conseguiu contudo, conquistar Mazagão aos portugueses.
Contemporâneo de Luís XIV, o Rei-Sol, que muito admirava e a quem se equiparava, manteve com o soberano francês relações diplomáticas, chegando mesmo a pedir em casamento a princesa Maria Ana de Bourbon, filha legitimada de Luís XIV, que recusou o pedido. O seu embaixador em França, o almirante dos “mares marroquinos” Abdallah Ben Aicha, é o autor do primeiro ensaio em árabe que descreve Versalhes e o esplendor da corte real francesa. Para além da França, favoreceu também as relações diplomáticas com outras potências europeias, escrevendo numerosas cartas aos reis europeus, principalmente ao rei francês e a D. Pedro II, de Portugal, instando para que se convertessem ao islamismo.
Decidido a construir para si uma Versalhes marroquina, transferiu a capital do país, Marrakech, para Meknés, iniciando um novo ciclo imperial de fausto e esplendor que ainda hoje é considerado como o mais importante e rico da história de Marrocos. Para isso, foram necessários milhares de trabalhadores, entre prisioneiros cristãos, criminosos comuns, artesãos, escravos…Os prisioneiros cristãos, na sua maioria capturados pelos seus corsários, nas famosas “razias”, eram alojados ao pé do seu palácio, na conhecida Prisão dos Cristãos, para que os seus gritos de desespero chegassem facilmente aos ouvidos dos embaixadores estrangeiros! Serviam de moeda de troca por cativos mouros e eram resgatados a peso de ouro. Muitos morreram por lá.
Em cerca de 47hectares, todo um conjunto de Palácios, tanques, mesquitas, jardins, estábulos, celeiros e fortalezas, rodeados por um muro de quatro metros de espessura, ali foi construído, para albergar toda a enorme família imperial, os seus doze mil cavalos e a famosa Guarda Negra, composta por vários milhares de homens. Um aqueduto foi construído para abastecer este enorme complexo habitacional e monumentos das cidades de Fez e Marraquexe, as antigas capitais reais, foram destruídos para não ensombrarem a beleza de Meknès. Até mesmo das ruinas romanas de Volubilis vieram pedras para embelezarem o palácio. Em 1755, o terramoto de Lisboa fez ali grandes estragos.
Governou o seu país com mão de ferro, e para intimidar os seus rivais, mandou que os muros da cidade fossem “adornados” com as cabeças de 10.000 dos seus inimigos. Lendária é a facilidade com que condenava os seus criados, que considerava preguiçosos, a serem decapitados ou torturados. Cerca de 30.000 morreram como consequência de suas decisões.
O seu harém era composto por várias centenas de concubinas (500?), que, segundo o relato do embaixador francês Dominique Busnot, lhe deram 888 filhos (548 rapazes e 340 raparigas?), mas as suas quatro esposas principais mantiveram sempre o seu afecto.
Quando faleceu, aos oitenta anos de ida de, e 55 de reinado, o seu império estendia-se desde a Argélia até à Mauritânia e o seu nome ainda hoje é respeitado em todo o reino, devido à sua piedade religiosa e por ter conseguido manter a paz numa das principais rotas comerciais do seu tempo, por onde se escoavam o ouro, o marfim, o ébano e os escravos negros vindos de toda a África.
Em 1757, o seu neto Mohammad III, transferiu a capital de volta a Marrakech, e retirou de Meknes uma boa parte das suas riquezas para construir uma nova cidade imperial.
O grande Mausoléu de Ismail está aberto mesmo a não muçulmanos como testemunho da sua grandeza, mas à sala do túmulo apenas os muçulmanos têm acesso. Ao seu lado repousam a sua primeira mulher, Lalla Khunta e dois dos seus filhos e ladeando o túmulo estão dois relógios oferecidos pelo rei Luís XIV ao monarca marroquino.

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