sábado, 21 de março de 2015

Ovídio e “A Arte de Amar”

Particularmente prezada durante a Antiguidade, lida e relida – sobretudo às escondidas – ao longo de quase toda a Idade Média, revalorizada a partir do Renascimento, a Arte de Amar ( Ars Amatoria, em Latim), é uma trilogia escrita em verso pelo poeta romano Ovídio, que, profundo conhecedor do coração humano, não hesitou em ensinar através deles, aos homens e mulheres do seu tempo (e não só), a difícil arte de seduzir e fazer perdurar o amor, antecedendo em cerca de vinte séculos
a “revolução sexual” dos nossos dias...
Os dois primeiros volumes da trilogia, escritos entre 1 a.C., e 1 d.C., são dirigidos ao elemento masculino e falam “sobre como conquistar os corações das mulheres” e “como manter a amada”, respectivamente. O terceiro volume, que é dirigido especialmente às mulheres, contém os ensinamentos de “como atrair e seduzir os homens”, foi escrito posteriormente.
Públio Ovídio Naso, mais conhecido por Ovídio, nasceu a 20 de Março do ano 43 a.C., em Sulmona, num vale nos Apeninos, a leste de Roma, numa importante família da classe nobre rural, mas foi educado em Roma com os melhores mestres de retórica, pois seu pai destinava-o à carreira política. O jovem, porém, decide trocar a política pela poesia, e aos dezoito anos empreendeu uma viagem à Grécia, um complemento indispensável à educação dos jovens romanos.
Poeta de verso fácil, Ovídio antes desta trilogia, escreve um longo poema de forma epistolar, intitulado Heróides, constituído por cartas fictícias de grandes heroínas amorosas, históricas ou lendárias, para os seus amantes ausentes, uma tragédia intitulada Medeia, cujo rasto se perdeu e uma série de poemas eróticos em cinco livros, com o nome de Amores, dirigidos a uma amante, Corina.
O próximo poema de Ovídio, Medicamina Faciei, um trabalho fragmentado sobre tratamentos de beleza feminina precedeu Ars Amatoria, ou “A Arte de Amar” que foi escrita já o autor passava dos quarenta anos, mais ou menos na mesma altura em que na Galileia, vinha ao mundo um Menino chamado Jesus. Nesse mesmo ano escreveu ainda outro poema Remedia Amoris. Esta coleção de poesia elegíaca e erótica deu a Ovídio um lugar entre os principais elegistas romanos, Cornélio Galo, Tíbulo e Propércio, do qual ele próprio se via como o quarto membro. Casou-se por três vezes e divorciou-se de duas das suas mulheres ainda antes dos seus quarenta anos, tendo uma filha que lhe deu dois netos.
O ideal de beleza, masculina ou feminina, os mecanismos de sedução, os melhores métodos de obtenção do prazer e, mesmo, a arte da traição e do engano, são alguns dos temas que preenchem este manual do amor, e que provavelmente levaram a que o autor fosse banido de Roma pelo Imperador Augusto, muito empenhado numa reforma dos bons costumes. A celebração do amor extraconjugal pode ter sido tomada como uma afronta intolerável a um regime que promovia os 'valores da família' e que já tinha levado ao exílio tanto da filha como da neta do próprio Imperador.
O certo é que no ano 8 d.C., o poeta foi exilado para Tomis, hoje Constança na actual Roménia, sózinho e sem poder levar a sua mulher, ao mesmo tempo que a sua obra Ars Amatoria era retirada de todas as bibliotecas. Antes de morrer, preparava aquela que seria sua última obra, Haliêutica, sobre a arte da pesca; Caio Plínio Segundo acreditava que este era mais um ato de diversão de Ovídio, que não tinha qualquer interesse pelo tema tratado. Faleceu no ano 17 d.C.
A Arte de Amar....

De verdades, não mais, aqui se trata.
Ó mãe do Amor, secunda o meu intento!
E vós, longe daqui, ó finas faixas
que sempre do pudor sois ornamento!
E tú, também, ó longo véu que tapas
das matronas os pés, vai-te no vento!
Eu só a quem é livre me dirijo:
apenas me dirijo a quem não tema
os prazeres mais a furto concedidos...
não tem pois mal nenhum este poema...

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Se vais para o amor como quem vai
pela primeira vez ao fogo das pelejas,
trata de procurar, antes de mais,
aquela a quem desejas.
Trata depois, então,
de conquistar o coração
da jovem que elegeste entre as demais mulheres.
E trata finalmente, em último lugar,
de esse amor prolongar
o mais que tu puderes.
Aqui tens o plano nas suas grandes linhas.
Este vai ser de nosso carro o curso;
esta, a meta – que há-de ser atingida
no termo do percurso.

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O pudor impede a mulher
de provocar certas carícias
mas se é o homem a começar
ela recebe-as com delícia.
Ah! tens excessiva confiança
nas tuas qualidades físicas
se esperas que seja a mulher
a tomar a iniciativa.
É ao homem que compete começar
e dizer palavras suplicantes
Á mulher cabe acolher suavemente
essas brandas palavras amorosas.

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Fontes:
Ovídio – A Arte de Amar – Edição da Galeria Panorama,1970


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